quarta-feira, 16 de junho de 2010

Bens do ex-prefeito de São Francisco do Sul tornados indisponíveis

Autos n° 061.09.003927-1
Ação Civil Pública/ Lei Especial
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu: Odilon Ferreira de Oliveira e outro

1. Cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra o ex-Prefeito Municipal (Odilon Ferreira de Oliveira) e o ex-Secretário Municipal de Finanças (Julio Eloi da Silva), pela prática de atos de improbidade administrativa no âmbito da administração pública municipal.

Com fundamento no artigo 16 da Lei n. 8.429/92 e artigo 37, parágrafo 4o da Constituição da República, o Ministério Público requereu a concessão de liminar de indisponibilidade de bens dos requeridos.

2. Afasta-se a preliminar arguida pelos requeridos, uma vez que o fundamento da ação não é uma suposta falta de fiscalização da contabilidade, mas o desvio de recursos vinculados a um fim específico.

Aliás, quanto ao requerido Eloi, a Lei Municipal n. 224/03 prevê que compete ao Secretário Municipal de Finanças a movimentação, aplicação, o controle e a fiscalização dos recursos financeiros do Município (art. 24, caput) e, notadamente, a guarda e a movimentação de numerário e demais valores municipais (inc. III), a escrituração contábil financeira, orçamentária e patrimonial (inc. IV) e o gerenciamento da origem dos recursos vinculados para utilização exclusiva ao objeto de sua vinculação (inc. X) (grifo não constante no texto da lei).

Por outro lado, a capitulação dada pelo Ministério Público, em análise superficial (típica desta fase processual) está correta, pois na petição inicial se atribui aos requeridos a prática de ato visando fim proibido em lei (desvinculação de verba vinculada) e existe a possibilidade de imposição de ressarcimento integral do dano, se comprovado que o dinheiro não foi aplicado no interesse público.

As ações supostamente praticadas pelos requeridos estão tipificadas no artigo 11, inciso I e no artigo 12, inc. III da Lei n. 8.429/92:

"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições e, notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência.
(...)".
"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (...):
(...)
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos".

O pedido de indisponibilidade de bens encontra fundamento no artigo 37, parágrafo 4o da Constituição da República (na parte que trata da Administração Pública) e no artigo 16 da Lei n. 8.429/92, que dispõe sobre o sequestro de bens, havendo indícios de responsabilidade. Referido dispositivo legal disciplina o meio processual através do qual esta medida pode ser analisada, mencionando os artigos 822 e 825 do CPC, que tratam do processo cautelar.

Embora se possa depreender da leitura do dispositivo que tal medida tem cunho preparatório, a doutrina e a jurisprudência têm admitido a análise e deferimento de liminar de indisponibilidade de bens no próprio corpo da Ação Civil Pública.

Passa-se ao exame dos requisitos ensejadores da concessão da medida liminar pleiteada (fumus boni iuris e periculum in mora).

Relata a representante do Ministério Público que, por força da Lei n. 7.990/89, o Município de São Francisco do Sul recebe uma compensação financeira (royalties) decorrente da exploração de petróleo ou gás natural, cujos recursos, segundo a redação do artigo 24 do Decreto n. 01, de 07.02.91, deverão ser aplicados "exclusivamente em energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e em saneamento básico".

No entanto, apesar da vinculação da receita, nos anos de 2007 e 2008, quando os requeridos Odilon Ferreira de Oliveira e Julio Eloi da Silva eram, respectivamente, prefeito e secretário de finanças de São Francisco do Sul, o valor da compensação ambiental entrou no "bolo" das receitas do município, impedindo, assim, o controle da destinação exclusiva e permitindo o desvio da verba pública.

A perícia realizada a pedido do Ministério Público (f. 233-246) constatou que, nos dois anos, R$ 4.086.789,74 (quatro milhões, oitenta e seis mil, setecentos e oitenta e nove reais e setenta e quatro centavos) deixaram de ser aplicados nas ações públicas a que estavam vinculados, o que representa indício de dilapidação, desvio e malbaratamento de haveres públicos, condutas que configuram, em tese, atos de improbidade administrativa.

Com efeito, a destinação diversa de verba vinculada, mais que uma ilegalidade, constitui, em tese, ato de improbidade administrativa, assim definido na lei:
"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições e, notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência.
(...)".

A indisponibilidade de bens visa, obviamente, à garantia do ressarcimento ao erário, uma vez constatado o prejuízo deste e o conseqüente enriquecimento ilícito do agente, diante do fundado temor de que os envolvidos venham a se desfazer de seus bens.

O doutrinador Fábio Medina Osório sustenta que a demonstração objetiva de propósitos do agente visando ao desvio ou à dilapidação de seus bens é desnecessária, pois aguardar que isso ocorra para só depois ajuizar pedido dessa natureza conduziria a uma "concreta perspectiva de impunidade e de esvaziamento do sentido rigoroso da legislação".

Entende ele, inclusive, que a indisponibilidade patrimonial "é medida obrigatória, pois traduz conseqüência jurídica do processamento da ação, forte no artigo 37, parágrafo 4o, da Constituição Federal" (Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Síntese, 1988, p. 242).

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina também tem garantido a indisponibilidade de bens daqueles que estão sendo demandados por atos lesivos ao patrimônio público, como se pode observar:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INDISPONIBILIDADE DOS BENS – REQUISITOS DO FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA PRESENTES.
A caracterização do periculum in mora nas medidas cautelares tradicionais depende da comprovação de que o agente esteja dilapidando o seu patrimônio, ou, ao menos, esteja na iminência de dissipá-lo.
Todavia, tal pensamento não se coaduna com o espírito da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), porquanto esta legislação, ao reverso das antigas Leis n. 3.164/57 (Lei Pitombo Godói Ilha) e n. 3.502/58 (Lei Bilac Pinto), tem por desiderato resguardar o patrimônio público da forma mais eficaz possível, impondo, para tanto, sanções e medidas rigorosas.
Por esta razão, o perigo na demora reside na própria possibilidade de o erário não ser ressarcido, porque o bem tutelado pertence à própria coletividade" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2005.033965-2, de São Miguel do Oeste. Relator: Des. Cid Goulart. Data Decisão: 27/06/2006).

“A medida de indisponibilidade de bens, de fundamental importância nesta espécie de demanda já que a reparação do bem comum não pode ser alcançada se não existente patrimônio para tanto, normalmente, deve ser concedida inaudita altera pars, haja vista o risco da prévia oitiva implicar em frustração da medida, com a transferência de bens para terceiros” (TJSC, corpo do Acórdão n. 2003.024504-9, relatado pelo Desembargador Volnei Carlin e datado de 03/06/2004).

O segundo requisito (periculum in mora) também está presente, uma vez que, se não concedida a medida, os requeridos poderão se desfazer de seu patrimônio, frustrando o ressarcimento ao erário, devido ao curso do processo e da sabida demora na entrega da prestação jurisdicional.

Na lição de Fábio Medina Osório, a possibilidade de desfazimento do patrimônio conduz a uma "concreta perspectiva de impunidade e de esvaziamento do sentido rigoroso da legislação" (obra citada).

3. Com estas considerações, recebo a petição inicial (art. 17, parágrafo 9º, da Lei n. 8.429/92) e, de outra parte, concedo a liminar pleiteada, tornando indisponíveis os bens dos requeridos até o julgamento final da presente ação.

Notifique-se o titular do cartório de Registro de Imóveis desta comarca.

Comunique-se à Corregedoria-Geral de Justiça, para as providências cabíveis.

Tomem-se as providências no sistema BACEN-JUD.

Citem-se os requeridos.

São Francisco do Sul (SC), 02 de junho de 2010.

Ricardo Rafael dos Santos
Juiz de Direito

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