quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Liminar suspende atividade de extração de saibro em São Francisco do Sul

A Justiça determinou, por meio de medida liminar concedida em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), a paralisação da extração, beneficiamento e transporte de saibro pela empresa Terraplanagem Goll, em São Francisco do Sul.

Na ação, a Promotora de Justiça Simone Cristina Schultz, com atuação na área do meio ambiente na Comarca de São Francisco do Sul, expõe que a empresa estaria cometendo diversas irregularidades, como a ausência de recuperação ambiental e ausência de consulta de viabilidade municipal de uso do solo, ausência de averbação da reserva legal e ausência de demarcação da área, além de causar danos ambientais à região, com a umectação das vias de acesso e taludes em processo de erosão.

A Promotora de Justiça salienta na ação que a empresa já foi alvo de fiscalização da Fatma, que verificou as irregularidades e concedeu, em outubro de 2008, prazo de 30 dias para saná-las, e junho de 2009, em fiscalização da Polícia Militar Ambiental lavrou auto de infração contra a empresa, pois as irregularidades persistiam. Na decisão do mérito da ação, Simone requer, ainda, a condenação da empresa a recuperar a área irregularmente degradada através e ao pagamento de indenização pelo dano já causado ao meio ambiente.
Em caso de desobediência à decisão liminar, concedida pelo Juiz de Direito Ricardo Rafael dos Santos, a empresa fica sujeita à multa diária de R$ 1 mil, e seus responsáveis legais poderão ser processados por crime de desobediência. Cabe recurso da decisão ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina. (ACP Nº 061.09.003518-7)



Redação: Coordenadoria de Comunicação Social do MPSC

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DEFERIDA LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Proposta Ação Civil Pública em face de Multipla Consultoria e Engenharia Ltda., Walter Schappo, Município de São Francisco do Sul e FATMA a fim de suspender a implantação de loteamento residencial denominado Condomínio Residencial Vilas do Porto, no Bairro Iperoba, em São Francisco do Sul, a decisão liminar foi deferida nos seguintes termos:


O Ministério Público Estadual ajuizou a presente Ação Civil Pública para a defesa do meio ambiente, em razão da implementação de um loteamento no bairro Iperoba, neste município e comarca, em desrespeito às normais vigentes.
Os fundamentos jurídicos do pedido consistem, basicamente, em: a) nulidade das licenças ambientais expedidas pela FATMA, por permitir supressão de vegetação formada por Floresta Ambrófila Densa (Mata Atlântica) em estágios médio e avançado de regeneração; b) desconsideração da legislação do parcelamento do solo urbano, notadamente a ausência de registro do loteamento; c) omissão dos órgãos públicos quanto ao dever de fiscalização, transferindo a responsabilidade ao Poder Judiciário.
Passa-se a examinar o pedido de liminar:
Todas as autorizações para corte de vegetação emitidas pela FATMA classificam a área como sendo de estágio médio ou avançado de regeneração (f. 72, 87 e 168). É possível verificar na documentação que a FATMA tinha plena convicção de que as autorizações para corte tinham esta característica (vide, por exemplo, o parecer técnico de f. 69).
O estudo de impacto ambiental simplificado (f. 170-199), formulado por empresa contratada pelo próprio loteador e que motivou a concessão pela FATMA da Licença Ambiental Prévia (LAP), também destacou que a vegetação nativa é formada por Floresta Ambrófila Densa (Floresta Atlântica) (f. 186).
Aliás, interessante notar que, pelo estudo ambiental encomendado pela loteadora, a flora sofreria "pouco impacto decorrente da implantação do empreendimento, por não haver supressão de vegetação nativa" (f. 185). Ao menos perfunctoriamente, não parece ter sido o que aconteceu (vide fotos de f. 109-111)..
Como órgão integrante do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), a FATMA não poderia ter desconsiderado o Decreto Federal n. 750/93, que proíbe o corte em área de Mata Atlântica.
Com efeito, o Decreto Federal nº 750/93 (que dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, e dá outras providências) expressamente estabelece:
“Art. 1º. Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Parágrafo único. Excepcionalmente, a supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), informando-se ao Conselho do Meio Ambiente (Conama), quando necessária à execução de obras, projetos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental".
Igualmente, a resolução CONAMA n. 237/97 prevê a necessidade de estudo de impacto ambiental e relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA) anteriormente à concessão de licença para empreendimentos ou atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ao meio ambiente.
A maior dificuldade na proteção dos remanescentes de Mata Atlântica está no controle da expansão urbana em cidades turísticas, principalmente por loteamentos. Aliás, é importante verificar que, na prática, nem sempre um loteamento será um instrumento de efetividade do direito constitucional de moradia. Muitos condomínios de luxo efetuados no litoral brasileiro não se destinam à moradia, mas ao investimento ou à especulação. Não há nada de errado ou ilegal nisto. Nestes casos, porém, jamais o empreendedor poderá argumentar que a necessidade de manutenção da Mata Atlântica está em conflito com a necessidade de dar moradia a quem não tem..
A respeito da abrangência da Mata Atlântica, transcreve-se, por oportuno, o seguinte estudo:
"Atualmente, tem a denominação genérica de Mata Atlântica as áreas primitivamente ocupadas por formações vegetais constantes do Mapa de Vegetação do Brasil (IBGE, 1993) que, a exceção dos encraves no Nordeste, formavam originalmente uma cobertura florestal praticamente contínua nas regiões sul, sudeste e parcialmente nordeste e centro-oeste: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual. Incluiu, ainda, no âmbito da proteção legal, manguezais, restingas, campos de altitude e brejos interioranos do Nordeste, como ecossistemas associados. Com relação aos estágios sucessionais da Mata Atlântica, o CONAMA estendeu a proteção para além das formações vegetais em estágio primário, incluindo também as áreas degradadas onde está em curso a regeneração natural. Desta forma, definiu a proteção da vegetação secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração. Este conceito é um enorme avanço em termos de conservação ambiental para o Bioma, que já assistiu a destruição de mais de 90% de sua área original.
Os instrumentos legais de gestão estarão sempre referendados na obrigatoriedade de uso condicionado à preservação da integridade da Mata Atlântica. Neste aspecto, reforça-se a tese de que todas as ações que venham alterar, usar ou explorar recursos naturais da Mata Atlântica deverão conter o princípio da prevenção. A nova lógica a ser estabelecida com a Política de Conservação de Desenvolvimento Sustentável da Mata Atlântica considera os aspectos positivos dos instrumentos legais e normativos no âmbito da política florestal e ambiental (Código Florestal, Decreto 750/93, resoluções e leis florestais estaduais decorrentes do Decreto nº 750/93, constituições estaduais, resoluções do CONAMA, etc.), além daqueles que podem ser incorporados para ampliar o raio de ação e efeitos ambientais necessários para garantir a conservação da Mata Atlântica, tais como o novo Imposto Territorial Rural - Lei nº 9.393/96, Lei de Recursos Hídricos nº 9.433/97 e a Lei de Crimes Ambientais n° 9605/98" (in http://www.sosmatatlantica.org.br/observatorio/plmataatlantica.Html. Acesso em 30/10/09 às 13:50 h.).
Voltando ao caso concreto, demonstrou-se a presença da plausibilidade jurídica do pedido (autorizações e licenças concedidas em afronta à legislação vigente). Também está presente o segundo requisito para a concessão de liminar: o perigo da demora.
Na tutela do meio ambiente, deve-se sempre atuar preventivamente (princípio da prevenção), porque se a decisão for dada apenas ao final da lide, a situação dificilmente será revertida (ou o será a um custo muito alto). A recomposição do dano ambiental sempre será o propósito a ser buscado na hipótese de procedência do pedido. E para que isto ocorra, é imprescindível que as atividades nocivas ao meio ambiente sejam suspensas desde o início.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina analisou caso assemelhado ao dos autos, decidindo da seguinte forma:
"O art. 225 da CRFB prevê que o Poder Público, com o fito de garantir um meio ambiente equilibrado, pode exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente ensejadora de significativa lesão ao meio ambiente, estudo prévio de impacto.
No caso em tela, a licença e autorização de corte obtidos pela agravante se encontram em frontal oposição ao relatório de impacto ambiental efetuado in loco, uma vez que naquele documento consta expressamente a proibitiva de supressão de árvores, florestas ou qualquer forma de vegetação de Mata Atlântica, bem como de conjunto de plantas em estágio de regeneração médio ou elevado, vedações estas, contidas na Lei n. 4774/65, Decreto n. 750/93 e resolução CONAMA n. 237/97.
Destarte, não pode a recorrente pretender, escorada em licença e autorização que não levaram em conta a realidade, continuar a explorar e suprimir a vegetação da área, pelo menos até a realização de um estudo de impacto ambiental.
AMBIENTAL - PROTEÇÃO ANTECIPADA - CONTROLE DO RISCO DE DANO - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO.
Frente ao atual conceito de proteção ambiental trazido pela CRFB, percebe-se a importância atribuída à antecipação no que tange ao controle do risco de dano, notadamente com a aplicação dos princípios. O princípio da prevenção tem seu âmbito gravitacional dirigido às hipóteses em que se pode vislumbrar um perigo concreto, ou melhor, onde o risco de dano é mais palpável. O princípio da precaução, por sua vez, atua no caso de perigo abstrato, hipóteses em que não se pode ter noção exata das conseqüências advindas do comportamento do agente
Por este viés, é preferível o adiamento temporário das atividades eventualmente agressivas ao meio ambiente, a arcar com os prejuízos em um futuro próximo, ou ainda, pleitear reparação dos danos, a qual, nesta seara, torna-se normalmente complicada e, muitas vezes, ineficiente" (TJSC, AI 2004.002441-0, rel. Des. Volnei Carlin, j. 27/05/04).
Do corpo do acórdão, extrai-se:
"Desta feita, cristalino é concluir que a referida licença obtida, bem como a autorização de corte, expedidas em favor da recorrente, não permitiam, e nem poderiam permitir, sem a realização de um prévio estudo de impacto ambiental, a extirpação de mata pertencente à área de preservação permanente e em estágio avançado de regeneração.
Tais vedações constam expressamente da legislação acima mencionada, de forma que não pode a recorrente pretender, escorada em licença e autorização que não levaram em conta a realidade, continuar a suprimir a vegetação da área, pelo menos até a realização de um estudo de impacto ambiental.
Como disposto no parágrafo único do Dec. 750/93, o corte de um conjunto de plantas em estágio médio ou alto de regeneração de Mata Atlântica, em casos taxativos, pode ser autorizado, contudo, necessita de decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o que não ocorreu no processo em tela.
Ademais, a diferenciação procedida pela lei n. 10.957/98 (alterou em parte a lei n. 6.063/82) em que se afirma que os projetos de loteamento em que as áreas não sejam superiores a 1.000.000,00m² (um milhão de metros quadrados) podem ser enviados apenas a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, não pode ser utilizado como escudo autorizativo para degradação ambiental, uma vez que, como amplamente demonstrado, as licenças obtidas pelos agravantes não condizem com a realidade do local.
(...)
Por oportuno, cita-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO A ACÓRDÃO DE SEGUNDO GRAU. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL EM ORLA POSSUIDORA DE RECURSOS NATURAIS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA.
"1. Medida Cautelar intentada com objetivo de atribuir efeito suspensivo ao v. Acórdão de Segundo grau.
"2. O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se, aí, a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera pars) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico.
"3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal.
"4. Em casos tais, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância.
"5. Há, em favor do requerente, a fumaça do bom direito e é evidente o perigo da demora, tendo em vista que, tratando-se de bens ecológicos, a ausência de medidas acautelatórias pode resultar na irreversibilidade dos danos ambientais. A princípio, a área configura-se como sendo de preservação permanente e de Mata Atlântica, o que ensejaria, necessariamente, a oitiva do IBAMA e estudo de impacto ambiental, antes do início de qualquer obra" (STJ. 1ª Turma. MC 2136 /SC. Rel. Min. José Delgado. j. em 22/05/01). (sem grifo no original).
Com estas considerações: a) suspendo a eficácia da licença ambiental, autorizações de corte e alvará de licença concedidas aos requeridos Múltipla e Walter Schappo em relação ao loteamento, determinando a eles e seus empregados/contratados a paralisação das obras no loteamento denominado Condomínio Residencial Vilas do Porto (sob pena de multa diária de R$ 5.000,00), bem como a venda de lotes (sob pena de multa de R$ 5.000,00 por lote), além da afixação de placa em lugar de fácil visualização, na via de acesso principal, informando o nome da ação judicial, das partes, número dos autos e que esta decisão acarretou a paralisação das obras e a suspensão da venda de lotes (também sob pena de multa de R$ 5.000,00), tudo sem prejuízo de processo por crime de desobediência; b) determino ao município de São Francisco do Sul a realização de fiscalização no local, impedindo a continuidade da obra ou eventual degradação do meio ambiente; c) determino a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis para que se abstenha de realizar o registro da incorporação referente à matrícula n. 41.225 até decisão judicial em contrário; d) determino a expedição de ofício à CELESC para que se abstenha de fornecer energia elétrica ao condomínio (que deverá ser identificado no ofício).
Citem-se para, no prazo legal, querendo, responderem ao pedido.
Autos nº 061.09.003962-0

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

SENTENÇA FAVORÁVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Ação Civil Pública proposta por esta Promotoria de Justiça a fim de demolir pavimentos construídos acima do permitido na legislação vigente na orla da praia da Enseada foi julgada procedente.
Autos nº 061.09.001552-6
Abaixo a íntegra da decisão:

1. O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ajuizou a presente Ação Civil Pública em face de José Mário Pires, bem como contra o Município de São Francisco do Sul, todos devidamente qualificados nos autos, expondo e alegando, em síntese, que:

A) procedimento administrativo preliminar instaurado no âmbito do Ministério Público constatou a ocorrência de danos ambientais decorrentes de irregularidades em diversas edificações nos bairros de Ubatuba e Enseada, erguidas em desacordo com as posturas municipais, que exigem determinado recuo mínimo e número máximo de pavimentos;

B) o primeiro requerido construiu um prédio na Avenida Atlântica com piso térreo mais quatro pavimentos (quando a legislação municipal permite apenas térreo + dois) e com sem observância do mínimo nos fundos;

C) o município-requerido não cumpriu o dever de polícia de ordenar adequadamente a utilização do solo.

Com apoio nestes fatos e com fundamento na legislação municipal e federal, requereu a concessão de tutela antecipada, a citação dos requeridos, a produção de provas e, ao final, a procedência do pedido, com a demolição da obra e recuperação da área degradada, bem como indenizando os danos causados aos interesses difusos.

O pedido de liminar foi concedido em grau recursal (f. 196-209).

Regularmente citados, os requeridos ofereceram contestação.

O município-requerido arguiu preliminar de ausência de possibilidade jurídica do pedido de imposição do dever de fiscalizar, porque não previsto na lei de ação civil pública e por ausência de verba orçamentária para a aplicação das medidas solicitadas. No mérito, defendeu que o Poder Executivo não pode ser compelido a exercer o poder de polícia administrativa porque isto implicaria na invasão das atribuições inerentes ao poder discricionário. Também sustentou que sempre agiu de acordo com os dispositivos legais, nunca autorizou ou permitiu obras irregulares e, inclusive, autuou e embargou a obra do corréu, ajuizando contra eles ação demolitória (f. 238-251).

O requerido José Mário arguiu preliminar de inépcia da inicial por ausência de valor da causa e, no mérito, asseverou que requereu ao município a concessão de alvará, recolheu a importância devida, mas não obteve resposta. Argumentou que a demolição dos pavimentos em excesso poderia implicar em dano estrutural, pelo que deve ser ressarcido (f. 364-367).

Houve réplica (f. 375-379).

Este, na concisão necessária, o relatório.

Fundamento e decido:

2. Inicialmente, é importante ficar registrado que a lide comporta julgamento antecipado, mostrando-se desnecessária a produção da prova testemunhal ou pericial.

Nesse sentido, em ação com mesma causa de pedir, o TJSC fixou:

"ADMINISTRATIVO – AÇÃO DEMOLITÓRIA – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – REJEIÇÃO – MATÉRIA FÁTICA INDEPENDENTE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – NATUREZA PESSOAL – PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA – OBRA CONSTRUÍDA SEM ALVARÁ DE LICENÇA – IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO – RECURSO NÃO PROVIDO.
1. 'Versando os autos sobre matéria essencialmente de direito, torna-se irrelevante a produção de provas outras que não aquelas já produzidas com a inicial e com a peça contestatória' (Apelação Cível n. 2006.025440-5, de Tijucas. Rel. Des. Rui Fortes)" (AC nº 2005.022169-2, da Capital, Desembargador Jaime Ramos, j. 21/02/2008).

A preliminar de inépcia da inicial suscitada pelo requerido José Mário deve ser rejeitada, uma vez que o autor, antes da citação, emendou a inicial e valorou adequadamente a causa (f. 166).

Também não há a aventada impossibilidade jurídica do pedido (defendida pelo município-requerido). A Constituição da República confere ao Ministério Público a função institucional de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III). Esta regra é suficiente para garantir a exigibilidade do dever de fiscalizar o cumprimento das regras ambientais e de posturas municipais. Ademais, no amplo espectro das obrigações de fazer se conforma, sem dúvida, o dever de fiscalizar.

Por outro lado, eventual imposição do dever de fiscalizar não implica em controle jurisdicional de atos discricionários (o poder público não pode optar entre fiscalizar e não fiscalizar), daí que não se pode falar em indevida ingerência do órgão jurisdicional em atividade exclusiva da administração pública.

A doutrina e a jurisprudência reconhecem a necessidade de se direcionar a ação contra o causador direto do dano e, também, contra aquele que contribuiu indiretamente ou se descurou do dever de evitar o dano.

A propósito:

"Agravo de Instrumento. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. Obra em área de preservação permanente. Particular. MUNICÍPIO. Litisconsórcio Passivo. Cabimento. Recurso provido.(...) parte PASSIVA na ação ambiental será o responsável pelo dano ou pela ameaça de dano, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, inclusive a Administração Pública. Entendemos que o Poder Pública poderá sempre figurar no pólo passivo de qualquer demanda dirigida à reparação do meio ambiente: se ele não for responsável por ter ocasionado diretamente o dano, por intermédio de um de seus agentes, o será por omissão no DEVER que é só seu de FISCALIZAR e impedir que tais danos aconteçam. (Édis Milaré)" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2004.003958-1, de Palhoça . Relator: Pedro Manoel Abreu . Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público . Data: 23/08/2005).
No mérito, o pedido de demolição deve ser julgado procedente (vale registrar que o Município de São Francisco do Sul ajuizou uma ação demolitória contra o réu, autuada sob n. 061.06.004242-8, julgada procedente e atualmente em grau recursal).

Não há dúvida de que a construção foi feita sem a indispensável autorização administrativa e, além disso, em desacordo aos padrões previstos na legislação municipal (sem possibilidade física ou material de correção).
A Lei Municipal n. 763/81 estabelece no artigo 25 que as Zonas Residenciais (classificadas em ZR-3, ZR-4 E ZR-5) se destinam a atender a demanda de população flutuante que aflui a essas áreas nos períodos sazonais, procurando-se proteger a paisagem natural, pois esta representa o principal fator de atração turística do Município.

A Lei nº 763/81, em seu anexo Quadro II-b, é clara ao estabelecer que na área identificada por ZM-3 (Zona Mista 3), onde se situa o imóvel do réu, o número máximo de pavimentos é "térreo + 2".

No caso concreto, é incontroverso que, além do piso térreo, o prédio tem quatro andares. Na contestação o réu não nega esta assertiva. Nem poderia fazê-lo, uma vez que a fotografia de f. 300 mostra claramente que ele está edificando um prédio com "térreo + 4 pavimentos", absolutamente fora do padrão.

Além disso, não se obedeceu o recuo exigido pelas posturas municipais.

Com efeito, descreve o auto de embargo de f. 46:

"Descrição dos fatos: obra sendo realizada sem alvará de licença p/ construção, sendo prédio com 4 pavimentos.
Dispositivo legal infringido – Lei 603/76, art. 6º e 229, Item I
[...]
Observações: Não obedece o recuo mínimo exigido nos fundos do imóvel, bem como não respeita o número máximo de pavimentos".

Evidencia-se - até porque não demonstrado o contrário pelo réu - que se trata de construção de edifício sem o alvará e fora do padrão legal.

A Lei nº 603/76, que dispõe sobre as construções e edificações neste Município, estabelece:

"Art. 6º. Qualquer edificação, construção ou assentamento de máquinas e equipamentos, situados no território do Município de São Francisco do Sul, estarão sujeitos às normas e condições da presente lei e só poderão ser iniciados se o interessado possuir alvará de construção, fornecido pela Prefeitura Municipal" (o destaque é meu).
O art. 7º:
"Considera-se ilegal a construção quando:
I – não estiver licenciada pela Prefeitura;
[...]
§ 2º. Na impossibilidade de conseguir a regularização das construções no prazo e condições estabelecidas, elas estão sujeitas a embargo e demolição".



Em se tratando de obra ilegal, que não respeita os preceitos de edificação do Município de São Francisco do Sul, sem possibilidade de regularização, a demolição é medida imperativa.

Neste sentido:

"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DEMOLITÓRIA – OBRA FORA DO PADRÃO LEGAL – DESRESPEITO AOS LIMITES LATERAIS IMPOSTOS PELA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL – AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO – CLANDESTINIDADE – IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO – READEQUAÇÃO DO FUNDAMENTO LEGAL DA SENTENÇA RECORRIDA – APELAÇÃO DESPROVIDA
'Construindo o particular sem licença do município, o que torna clandestina a obra, por força do que dispõe o Código de Posturas, comete ele ato ilegal, rendendo ensejo ao uso, pela Administração, do poder de polícia que lhe é inerente, não só para embargar, imediata e sumariamente, o prosseguimento da obra, como também para lograr a demolição da mesma' (AC n.º 1997.002612-9, Des. Trindade dos Santos)" (AC nº 2006.009738-6, Des. José Volpato de Souza).
Ou ainda:
"ADMINISTRATIVO – CONSTRUÇÃO CLANDESTINA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – ABUSO DE PODER – INOCORRÊNCIA – PROCESSO ADMINISTRATIVO – DESNECESSIDADE – RECURSO DESPROVIDO.
Em situações tais, a demolição se constituiu numa medida drástica, porém necessária, pois tem a finalidade de preservar o interesse público inerente à fiel observância das normas urbanísticas. A esse respeito, Hely Lopes Meirelles ensina que 'o ato ilegal do particular que constrói sem licença rende ensejo a que a Administração use o poder de polícia que lhe é reconhecido, para embargar, imediata e sumariamente, o prosseguimento da obra e efetivar a demolição do que estiver irregular" (Direito de Construir. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1.994, p. 166)' (Apelação Cível n. 2005.025787-9, da capital, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, julgado em 14.11.2006)" (AC nº 2006.044938-9, Des. José Volpato de Souza).
E mais:
"ADMINISTRATIVO – CONSTRUÇÃO CLANDESTINA – AÇÃO DE DEMOLIÇÃO – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO
A construção clandestina, por não ter alvará de licença ou de autorização pode ser embargada e demolida, porque em tal caso o particular está incidindo em manifesto ilícito administrativo, já comprovado pela falta de licenciamento do projeto, ou por sua inteira ausência (Hely Lopes Meirelles)" (AC nº 2008.002687-1, Des. Luiz Cézar Medeiros).

Desnecessário discorrer sobre a ineficácia absoluta da aventada autorização tácita ou verbal da administração pública ou então sobre a suposta promessa de alteração da lei de posturas municipais.

Não tem o réu que reclamar de "erro" causado pela Administração porque iniciou a obra sem alvará e o protocolo do projeto somente ingressou depois do embargo, estando incorreta a afirmação do contrário.

Apesar de demonstrada a legitimidade passiva do município de São Francisco do Sul, por ser responsável pelo dever de fiscalização (poder de polícia administrativa), no mérito não se verifica o descumprimento deste papel.

A ação foi ajuizada em 04/09/06 (f. 01). Mais de um ano antes, em 05/04/05, o município já havia emitido auto de infração (f. 45) e auto de embargo (f. 46). Como dito antes, o município também ajuizou uma ação demolitória.

Passando à análise dos pedidos formulados na petição inicial, não se vislumbra a possibilidade de imposição ao pagamento de indenização por danos a interesses difusos ou à recomposição da situação ambiental anterior.

Primeiro porque o prédio foi construído na orla marítima de uma das praias mais densamente povoadas do município, não sendo razoável (diante da ausência de prova) supor que justamente naquela estreita faixa (rodeada de construções) existia um imóvel de valor ambiental.

Segundo porque a legislação ambiental, em princípio, não impede construções no imóvel litigioso (ao menos o autor da ação não comprovou o contrário no momento oportuno), do que se conclui que, uma vez demolida a obra, será possível edificar no local desde que atendidas as posturas municipais.
Terceiro porque, "ainda que admitida a imposição de indenização por dano moral coletivo em sede de ação civil pública, a providência deixa de ser adotada no caso concreto quando, por outros meios, garantiu-se o regresso ao estado anterior" (TJSC, Apelação cível n. 2007.043496-5, de Pomerode, Relator: juiz Jânio Machado. Órgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Público. Data Decisão: 09/12/2008).
O pedido de demolição dos pavimentos construídos além do permitido pelas posturas municipais merece acolhida. O objeto da ação demolitória n. 061.06.004242-8 (em grau recursal) é mais amplo e esta decisão não exclui nem limita a determinação contida naqueles autos.
Outrossim, embora constatado na instrução processual a inobservância do recuo mínimo na parte de trás do imóvel, não houve pedido expresso na petição inicial nesta parte, razão pela qual não é possível impor ao réu a correção do vício nesta ação, sob pena de julgamento ultra petita.

3. Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos em relação ao Município de São Francisco do Sul e, por outro lado, julgo procedentes em parte os pedidos formulados contra José Mário Pires e, em consequência, condeno-o a demolir os andares edificados fora do padrão legal e a reduzir a obra ao recuo permitido pelas posturas municipais, no prazo de 20 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, sem prejuízo de que, vencido este prazo, seja realizada por terceiro a suas expensas.

Defiro o pedido de f. 381, exclusivamente para substituição do tapume existente no imóvel até o trânsito em julgado da sentença, devendo o novo tapume ser feito de forma similar ao anterior, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo da incidência do crime de desobediência.

Custas pelo réu.
Sem honorários, dado que "não é possível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação ajuizada pelo Ministério Público, a teor do disposto no art. 128, § 5º, II, a, da CRFB, o que também exclui a possibilidade de reversão de tal verba em favor do Fundo de Reparação de Bens Lesados" (TJSC - Apelação Cível n. 2007.004412-0, Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, julgada em 26-3-2008)".

P. R. I.