segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DEFERIDA LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Proposta Ação Civil Pública em face de Multipla Consultoria e Engenharia Ltda., Walter Schappo, Município de São Francisco do Sul e FATMA a fim de suspender a implantação de loteamento residencial denominado Condomínio Residencial Vilas do Porto, no Bairro Iperoba, em São Francisco do Sul, a decisão liminar foi deferida nos seguintes termos:


O Ministério Público Estadual ajuizou a presente Ação Civil Pública para a defesa do meio ambiente, em razão da implementação de um loteamento no bairro Iperoba, neste município e comarca, em desrespeito às normais vigentes.
Os fundamentos jurídicos do pedido consistem, basicamente, em: a) nulidade das licenças ambientais expedidas pela FATMA, por permitir supressão de vegetação formada por Floresta Ambrófila Densa (Mata Atlântica) em estágios médio e avançado de regeneração; b) desconsideração da legislação do parcelamento do solo urbano, notadamente a ausência de registro do loteamento; c) omissão dos órgãos públicos quanto ao dever de fiscalização, transferindo a responsabilidade ao Poder Judiciário.
Passa-se a examinar o pedido de liminar:
Todas as autorizações para corte de vegetação emitidas pela FATMA classificam a área como sendo de estágio médio ou avançado de regeneração (f. 72, 87 e 168). É possível verificar na documentação que a FATMA tinha plena convicção de que as autorizações para corte tinham esta característica (vide, por exemplo, o parecer técnico de f. 69).
O estudo de impacto ambiental simplificado (f. 170-199), formulado por empresa contratada pelo próprio loteador e que motivou a concessão pela FATMA da Licença Ambiental Prévia (LAP), também destacou que a vegetação nativa é formada por Floresta Ambrófila Densa (Floresta Atlântica) (f. 186).
Aliás, interessante notar que, pelo estudo ambiental encomendado pela loteadora, a flora sofreria "pouco impacto decorrente da implantação do empreendimento, por não haver supressão de vegetação nativa" (f. 185). Ao menos perfunctoriamente, não parece ter sido o que aconteceu (vide fotos de f. 109-111)..
Como órgão integrante do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), a FATMA não poderia ter desconsiderado o Decreto Federal n. 750/93, que proíbe o corte em área de Mata Atlântica.
Com efeito, o Decreto Federal nº 750/93 (que dispõe sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, e dá outras providências) expressamente estabelece:
“Art. 1º. Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Parágrafo único. Excepcionalmente, a supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), informando-se ao Conselho do Meio Ambiente (Conama), quando necessária à execução de obras, projetos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental".
Igualmente, a resolução CONAMA n. 237/97 prevê a necessidade de estudo de impacto ambiental e relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA) anteriormente à concessão de licença para empreendimentos ou atividades efetiva ou potencialmente causadoras de degradação ao meio ambiente.
A maior dificuldade na proteção dos remanescentes de Mata Atlântica está no controle da expansão urbana em cidades turísticas, principalmente por loteamentos. Aliás, é importante verificar que, na prática, nem sempre um loteamento será um instrumento de efetividade do direito constitucional de moradia. Muitos condomínios de luxo efetuados no litoral brasileiro não se destinam à moradia, mas ao investimento ou à especulação. Não há nada de errado ou ilegal nisto. Nestes casos, porém, jamais o empreendedor poderá argumentar que a necessidade de manutenção da Mata Atlântica está em conflito com a necessidade de dar moradia a quem não tem..
A respeito da abrangência da Mata Atlântica, transcreve-se, por oportuno, o seguinte estudo:
"Atualmente, tem a denominação genérica de Mata Atlântica as áreas primitivamente ocupadas por formações vegetais constantes do Mapa de Vegetação do Brasil (IBGE, 1993) que, a exceção dos encraves no Nordeste, formavam originalmente uma cobertura florestal praticamente contínua nas regiões sul, sudeste e parcialmente nordeste e centro-oeste: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual. Incluiu, ainda, no âmbito da proteção legal, manguezais, restingas, campos de altitude e brejos interioranos do Nordeste, como ecossistemas associados. Com relação aos estágios sucessionais da Mata Atlântica, o CONAMA estendeu a proteção para além das formações vegetais em estágio primário, incluindo também as áreas degradadas onde está em curso a regeneração natural. Desta forma, definiu a proteção da vegetação secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração. Este conceito é um enorme avanço em termos de conservação ambiental para o Bioma, que já assistiu a destruição de mais de 90% de sua área original.
Os instrumentos legais de gestão estarão sempre referendados na obrigatoriedade de uso condicionado à preservação da integridade da Mata Atlântica. Neste aspecto, reforça-se a tese de que todas as ações que venham alterar, usar ou explorar recursos naturais da Mata Atlântica deverão conter o princípio da prevenção. A nova lógica a ser estabelecida com a Política de Conservação de Desenvolvimento Sustentável da Mata Atlântica considera os aspectos positivos dos instrumentos legais e normativos no âmbito da política florestal e ambiental (Código Florestal, Decreto 750/93, resoluções e leis florestais estaduais decorrentes do Decreto nº 750/93, constituições estaduais, resoluções do CONAMA, etc.), além daqueles que podem ser incorporados para ampliar o raio de ação e efeitos ambientais necessários para garantir a conservação da Mata Atlântica, tais como o novo Imposto Territorial Rural - Lei nº 9.393/96, Lei de Recursos Hídricos nº 9.433/97 e a Lei de Crimes Ambientais n° 9605/98" (in http://www.sosmatatlantica.org.br/observatorio/plmataatlantica.Html. Acesso em 30/10/09 às 13:50 h.).
Voltando ao caso concreto, demonstrou-se a presença da plausibilidade jurídica do pedido (autorizações e licenças concedidas em afronta à legislação vigente). Também está presente o segundo requisito para a concessão de liminar: o perigo da demora.
Na tutela do meio ambiente, deve-se sempre atuar preventivamente (princípio da prevenção), porque se a decisão for dada apenas ao final da lide, a situação dificilmente será revertida (ou o será a um custo muito alto). A recomposição do dano ambiental sempre será o propósito a ser buscado na hipótese de procedência do pedido. E para que isto ocorra, é imprescindível que as atividades nocivas ao meio ambiente sejam suspensas desde o início.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina analisou caso assemelhado ao dos autos, decidindo da seguinte forma:
"O art. 225 da CRFB prevê que o Poder Público, com o fito de garantir um meio ambiente equilibrado, pode exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente ensejadora de significativa lesão ao meio ambiente, estudo prévio de impacto.
No caso em tela, a licença e autorização de corte obtidos pela agravante se encontram em frontal oposição ao relatório de impacto ambiental efetuado in loco, uma vez que naquele documento consta expressamente a proibitiva de supressão de árvores, florestas ou qualquer forma de vegetação de Mata Atlântica, bem como de conjunto de plantas em estágio de regeneração médio ou elevado, vedações estas, contidas na Lei n. 4774/65, Decreto n. 750/93 e resolução CONAMA n. 237/97.
Destarte, não pode a recorrente pretender, escorada em licença e autorização que não levaram em conta a realidade, continuar a explorar e suprimir a vegetação da área, pelo menos até a realização de um estudo de impacto ambiental.
AMBIENTAL - PROTEÇÃO ANTECIPADA - CONTROLE DO RISCO DE DANO - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO.
Frente ao atual conceito de proteção ambiental trazido pela CRFB, percebe-se a importância atribuída à antecipação no que tange ao controle do risco de dano, notadamente com a aplicação dos princípios. O princípio da prevenção tem seu âmbito gravitacional dirigido às hipóteses em que se pode vislumbrar um perigo concreto, ou melhor, onde o risco de dano é mais palpável. O princípio da precaução, por sua vez, atua no caso de perigo abstrato, hipóteses em que não se pode ter noção exata das conseqüências advindas do comportamento do agente
Por este viés, é preferível o adiamento temporário das atividades eventualmente agressivas ao meio ambiente, a arcar com os prejuízos em um futuro próximo, ou ainda, pleitear reparação dos danos, a qual, nesta seara, torna-se normalmente complicada e, muitas vezes, ineficiente" (TJSC, AI 2004.002441-0, rel. Des. Volnei Carlin, j. 27/05/04).
Do corpo do acórdão, extrai-se:
"Desta feita, cristalino é concluir que a referida licença obtida, bem como a autorização de corte, expedidas em favor da recorrente, não permitiam, e nem poderiam permitir, sem a realização de um prévio estudo de impacto ambiental, a extirpação de mata pertencente à área de preservação permanente e em estágio avançado de regeneração.
Tais vedações constam expressamente da legislação acima mencionada, de forma que não pode a recorrente pretender, escorada em licença e autorização que não levaram em conta a realidade, continuar a suprimir a vegetação da área, pelo menos até a realização de um estudo de impacto ambiental.
Como disposto no parágrafo único do Dec. 750/93, o corte de um conjunto de plantas em estágio médio ou alto de regeneração de Mata Atlântica, em casos taxativos, pode ser autorizado, contudo, necessita de decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o que não ocorreu no processo em tela.
Ademais, a diferenciação procedida pela lei n. 10.957/98 (alterou em parte a lei n. 6.063/82) em que se afirma que os projetos de loteamento em que as áreas não sejam superiores a 1.000.000,00m² (um milhão de metros quadrados) podem ser enviados apenas a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, não pode ser utilizado como escudo autorizativo para degradação ambiental, uma vez que, como amplamente demonstrado, as licenças obtidas pelos agravantes não condizem com a realidade do local.
(...)
Por oportuno, cita-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA ATRIBUIR EFEITO SUSPENSIVO A ACÓRDÃO DE SEGUNDO GRAU. CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL EM ORLA POSSUIDORA DE RECURSOS NATURAIS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA.
"1. Medida Cautelar intentada com objetivo de atribuir efeito suspensivo ao v. Acórdão de Segundo grau.
"2. O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se, aí, a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera pars) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico.
"3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal.
"4. Em casos tais, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância.
"5. Há, em favor do requerente, a fumaça do bom direito e é evidente o perigo da demora, tendo em vista que, tratando-se de bens ecológicos, a ausência de medidas acautelatórias pode resultar na irreversibilidade dos danos ambientais. A princípio, a área configura-se como sendo de preservação permanente e de Mata Atlântica, o que ensejaria, necessariamente, a oitiva do IBAMA e estudo de impacto ambiental, antes do início de qualquer obra" (STJ. 1ª Turma. MC 2136 /SC. Rel. Min. José Delgado. j. em 22/05/01). (sem grifo no original).
Com estas considerações: a) suspendo a eficácia da licença ambiental, autorizações de corte e alvará de licença concedidas aos requeridos Múltipla e Walter Schappo em relação ao loteamento, determinando a eles e seus empregados/contratados a paralisação das obras no loteamento denominado Condomínio Residencial Vilas do Porto (sob pena de multa diária de R$ 5.000,00), bem como a venda de lotes (sob pena de multa de R$ 5.000,00 por lote), além da afixação de placa em lugar de fácil visualização, na via de acesso principal, informando o nome da ação judicial, das partes, número dos autos e que esta decisão acarretou a paralisação das obras e a suspensão da venda de lotes (também sob pena de multa de R$ 5.000,00), tudo sem prejuízo de processo por crime de desobediência; b) determino ao município de São Francisco do Sul a realização de fiscalização no local, impedindo a continuidade da obra ou eventual degradação do meio ambiente; c) determino a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis para que se abstenha de realizar o registro da incorporação referente à matrícula n. 41.225 até decisão judicial em contrário; d) determino a expedição de ofício à CELESC para que se abstenha de fornecer energia elétrica ao condomínio (que deverá ser identificado no ofício).
Citem-se para, no prazo legal, querendo, responderem ao pedido.
Autos nº 061.09.003962-0

2 comentários:

  1. O espaço é para comentários:
    1. O Dec. 750/93 foi reovogado a três anos, pela Lei 11.428/06;
    2. A Floresta Ombrófila Densa, conforme Res. CONAMA 04/94 (revalidada em 2007), é uma espécime caracterizadora dos estágios inicial, médio e avançado da floresta secundária, (que pode ser suprimida para fins de loteamento e condomínios, art. 31). A que não pode ser suprimida é a primária.
    3. A vegetação de mata atlântica que não pode ser suprimida é em área rural.
    4. O registro do condomínio em registro de imóveis, só pode ocorrer depois de emitida a LAO, do contrário o MP ingressa com ACP's vinte anos depois, exigindo a LAO;

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  2. Complementando o comentário anterior:
    Sendo Mata Atlântica em área rural, só o estágio inicial pode ser suprimido.
    E o registro em cartório após a LAO advém de orientação do TJ. Fabiano Santangelo.

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